Acordo, logo começo a conspirar. É a última sexta-feira de uma dessas férias em que a vida era mais simples, logo: é dia de praia. O único problema é que nessa conturbada mancha urbana que é Fortaleza, calhou de eu morar em um apogeu a uma das principais praias da capital alencarina, onde monta o palco na manhã de hoje.

Para outros, é mais simples. Seja ou não uma cruel ironia, a maioria do elenco de hoje já mora convenientemente próximo à Beira-mar. Nosso encontro, marcado para às 8 horas, me exige um preparo radicalmente mais cedo. Acordo às 6h e meu deus, que vontade de beber. Não convêm, portanto, dirigir. A Uber, como se eu a tivesse ofendido pessoalmente, me cobra quarenta reais pela viagem, como passei a semana inteira simulando e agora a trágica sentença confirma.
Às 7 horas, sento-me no ponto de ônibus, que como um fiel testemunha da vida urbana, também se torna meu abrigo durante a semana. Sádico, ele me assiste diariamente esperar três ou trinta minutos pela condução. Nesta sexta, foram 20. Vinte anos de vida no Mondubim me ensinaram que a paciência é uma arte que, assim como a pintura, a música ou a dança, eu não domino.
Assim que o ônibus arranca, sou lançado a um desfile de cenários. Sem ar-condicionado, o calor característico da caixa de metal não demora a me fazer suar. O som da rádio de música que o motorista usa para brindar meus ouvidos agrada, mas pouco faz para combater minha frustração com a lotação moderada, que me deixa de pé.
A janela se torna meu refúgio para sair, ainda que só na mente, daquela situação. Ela me relembra a Fortaleza que, por rotina, passa despercebida. As casas coloridas se aglomeram em uma rua estreita, cada uma contando sua própria história, enquanto as palmeiras se balançam e os ipês desfloram sob a ventania da manhã. Olho para fora e vejo crianças jogando bola, a despreocupação das férias desenhando um contraste com a pressa que sinto na viagem.
Findo o engarrafamento típico no fim da Avenida Godofredo Maciel, as portas se abrem para vomitar sem cerimônia uma malta de transeuntes no Terminal da Parangaba. O relógio marca 7h38. Devo me atrasar.

Contexto
Sempre que ouço a icônica música do Ultraje a Rigor, lembro da marcante reportagem da Globo no Rio de Janeiro, em que moradores da zona nobre se lamentam sobre a presença da periferia chegando em ônibus para "sujar" à praia da sona zul. Caso não conheça, fica o registro:
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