No vai e vem frenético de um bairro marcado pela demasia de gente e de comércio, o centro de Fortaleza ferve e abriga uma diversidade rica e singular.

O sol nasce por trás de edifícios longevos que abrigam memórias e vestígios de uma Fortaleza que, mesmo antiga, está sempre em movimento. Diversos veículos se entrelaçam formando um mar de vidro e aço pelas largas ruas do centro. Trabalhadores, que levantam junto com o amanhecer, já sentem o suor escorrer no rosto, à medida que movimentam-se no coração da cidade em busca do pão para forrar o estômago. Entrando pelos estreitos dos prédios, o sol não pede licença e, debaixo dele, pessoas inquietas, de olhos um tanto sem vida, se movem em busca de tudo e, ao mesmo tempo, de quase nada.
Uma cidade centenária que apresenta-se em sua multiplicidade de aspectos, se contrasta, muita das vezes, com a solidão de alguns passantes.
Sobre essa dualidade das terras fortalezenses, Ednardo, grande nome da música cearense, evoca: “No peito enganos mil, na Terra é pleno abril”. Muitos acreditam que o mês de abril é de renovação, o que simboliza a possibilidade de novos começos, ainda que com o coração repleto de enganos. Talvez por isso o cantor cite-o, pois é de novos começos e histórias que Fortaleza se fez.
Na esquina, perto da praça José de Alencar, algumas dessas histórias se reúnem, pessoas cansadas de toda a inquietação urbana, esperam umas às outras para seguirem de volta para suas casas. Um movimento parecido se repete numa rua próxima e em tantas outras, espalhadas cidade afora. Alguns chamam de lotação, outros de carro de praça, independente da denominação esse serviço representa para alguns a principal fonte de renda.

Cada veículo que trafega carrega não só pessoas, mas relatos singulares e experiências, como o carro de Seu Aluísio, que há 25 anos leva passageiros rumo à Barra do Ceará, em fluxo de vida e de movimento. Não é à toa que Josiel, seu colega de trampo, o apelida de “presidente da lotação”, pois com 72 anos de idade Aluísio ainda não largou o batente e se autodenomina fundador desse serviço. O que é justo, afinal, pois ele chega com o nascer do sol e só retorna a sua casa depois que ele se põe.
No vai e vem frenético de um bairro marcado pela demasia de gente e de comércio, o centro de Fortaleza ferve e abriga uma diversidade rica e singular. É gente que chega, é gente que sai, carro chegando, outro saindo… é assim mesmo, tudo muito acelerado. O som alto do comerciante apressado, descendo a rua, fica cada vez mais distante, e desafia a audição até dos ouvintes mais desatentos. O alarde do motorista, que avisa estar prestes a sair, se confunde no burburinho incessante.
Com frequência, sentado na praça ou passando ali perto, se ouve quem, sem parar, repete: - Leste, Barra, Goiabeira! Esses e tantos outros nomes de bairros e regiões que a voz cansada alardeia aos andantes ensimesmados em suas cansadas rotas cotidianas. E o dono dela - a voz -, com a pele já queimada do sol, segue sempre com a mesma entonação, não permite que o calor do sol do meio dia seja um grande empecilho.
Quem tem a sorte de entrar no carro de seu Gilson, motorista há mais de 20 anos, não terá apenas uma volta para casa bem sucedida, mas o contato com um homem persistente de 58 anos, que com um sorriso no rosto afirma não existir serviço melhor. Para ele não existe dia ruim, nem existe sorte, pois tudo se resolve com Deus, e, de forma descontraída, vai arrancando risos de quem com ele resolve trocar algumas palavras.
Depois dali a alguns metros, se encontra José Wellington, de 65 anos, que assim como seu Gilson e seu Aluísio, está imerso há décadas nesse ofício custoso, mas que garante o pão para si e para sua família. Sem muito segredo, conta seu dia a dia como se fosse uma Odisseia, porém sem nada muito fabuloso, e nem precisa, por que é no dia a dia, no cotidiano, que o extraordinário da vida se mostra. E de 7 às 17 horas, leva a vida como se fosse fácil.
No meio de tantos se encontram diversos Josés, Aluísios e Gilsons, e muitos outros, que independente da forma, apenas insistem em conquistar nas ruas do centro o sustento de casa. A necessidade humana que se personifica, no corpo cansado, no suor que escorre e na voz insistente.

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